O texto recém promulgado ainda aguarda por regulamentação, mas já é hora de se preparar para o que vem aí. Saiba o que muda no sistema tributário e o que esperar.
Se há uma reclamação comum de todo empresário, ela se refere à complexidade do sistema tributário brasileiro. Não apenas pagamos muitos tributos, mas levamos tempo para calcular o quanto devemos e, com frequência, descobrimos que estávamos errados apenas no final do caminho.
Dado esse cenário, não é de surpreender que a pauta da reforma tributária tenha se tornado quase uma unanimidade no Brasil.
A questão é que, embora houvesse acordo sobre a necessidade de mudança, o mesmo não acontecia quanto ao conteúdo das alterações. Entretanto, após mais de 30 anos de intensos debates, um texto com condições de ser aprovado enfim foi enviado ao Congresso Nacional, resultando na promulgação da Emenda Constitucional n° 132/2023.
Neste artigo, falaremos sobre algumas das principais novidades trazidas pelo texto e o que empresas e empresários devem esperar para o próximo ano.
Mudança na tributação sobre bens e serviços
Um dos pontos de atrito presentes no sistema tributário brasileiro diz respeito aos impostos estaduais e municipais.
Nesse contexto, é conhecida a guerra fiscal travada entre os Estados no âmbito da definição das alíquotas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Além disso, a concessão de benefícios fiscais, a fim de atrair empresas, já causou grandes brigas judiciais nos últimos anos.
No âmbito dos municípios, por sua vez, também não são raros os conflitos na definição de quais municípios são competentes ou não para a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS). O empresário, em meio a tudo isso, é quem paga a conta no final.
Na pretensão de mitigar as disputas e simplificar o sistema, a Reforma prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição ao ICMS e ao ISS. A competência, neste caso, será compartilhada entre Estados e Municípios.
Além disso, a Reforma prevê a instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao IPI, bem como às contribuições para o PIS e COFINS. Será um tributo de competência da União, também incidente sobre bens e serviços.
Por fim, ainda no âmbito da tributação federal, a Reforma contempla a criação do chamado Imposto Seletivo (IS), popularmente conhecido como “Imposto do Pecado”. Este, por sua vez, terá como objetivo desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, a exemplo do que já ocorre, por exemplo, na tributação de cigarros.
Apesar da competência distinta entre Municípios/Estados e União, IBS e CBS deverão compartilhar de regras harmônicas, a serem estabelecidas futuramente por meio de lei complementar. Além disso, também compartilharão de características comuns, tais como a não cumulatividade mediante a geração de créditos imediatos e a desoneração de exportações, além da tributação no destino, na qual o pagamento dos tributos se dará no local onde estão situados os consumidores dos bens e serviços.
Ambiente de grande incerteza
Um dos grandes pontos de atenção da Reforma é que a maioria de seus dispositivos não começará a ser aplicada imediatamente. Ao longo do texto, foram instituídas várias regras de transição, algumas com previsão de vigência até 2077. Além disso, outros pontos dependem de lei complementar para a sua regulamentação, em especial a definição das alíquotas dos novos tributos, sem as quais fica prejudicada a análise a respeito do real impacto da nova sistemática na carga tributária.
O governo prometeu zerar o déficit fiscal até o fim do ano, o que exigirá um aumento considerável na receita, composta majoritariamente pela arrecadação por meio dos tributos. A expectativa, portanto, é de que as futuras leis complementares venham a aumentar a carga tributária sobre as empresas.
Em que pese a reforma esteja focada, majoritariamente, na tributação sobre o consumo, ela também prevê impactos na tributação sobre o patrimônio, em especial a tributação sobre heranças. Nesse ponto, destaca-se a alteração no texto constitucional que passa a prever a progressividade de alíquotas como padrão nacional para a tributação sobre heranças e doações, o que gera um cenário de grande incerteza para famílias em que grandes patrimônios estejam em jogo.
Por fim, não se pode ignorar as dúvidas que pairam a respeito do funcionamento do chamado Comitê Gestor, a ser formado por representantes dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Criado no contexto da Reforma Tributária, o órgão deverá ser o responsável por gerir o IBS, mas sem a edição da lei complementar regulamentadora, ainda é difícil imaginar como se darão as soluções integradas para gerir a cobrança e a arrecadação do tributo em questão.
Qual deve ser a expectativa das empresas?
Embora tenha surgido com um discurso simplificador, a reforma está longe de resolver por completo os conflitos existentes no nosso sistema tributário. Quando há mais de 5 mil municípios, 26 Estados mais o Distrito Federal e a União, todos aptos a cobrar tributos e com leis próprias sobre o tema, é impossível obter um ambiente de harmonia. A instituição do IBS e da CBS pode trazer alguma simplificação, mas é pouco provável haver diminuição da carga tributária.
Os movimentos do Poder Executivo, ao encaminhar projetos de tributação sobre offshores e sobre apostas de quota fixa, mostram que há um movimento na direção contrária, isto é, voltado a aumentar a arrecadação e a cumprir metas fiscais. O equilíbrio nas contas públicas pode gerar interesse de investidores estrangeiros, mas o meio escolhido pode não ser o melhor para o empresário brasileiro.
Não abrangida pela Emenda Constitucional n°132/2023 aprovada em dezembro, a reforma da legislação do Imposto de Renda, na qual estará contida a tributação de lucros e dividendos, é um sinal claro de que as perspectivas são de aumento na tributação. A instituição das alíquotas progressivas do ITCMD, por sua vez, também será um fator que poderá impactar a constituição das chamadas holdings, estratégia comum de planejamento sucessório.
As empresas precisarão, mais do que nunca, de um planejamento tributário de alto nível para manter a sua saúde financeira. A estrada até o pleno funcionamento da reforma é longa e ainda existem pontos controversos e obscuros. Portanto, antecipar-se às mudanças é fundamental para sair na frente em um mercado tão competitivo.